Contra o patriotismo - contra o nacionalismo - abaixo as fronteiras nacionais! - humanaesfera

Não há absolutamente nenhum argumento honesto que justifique que defendamos qualquer nação ou pátria. Muito pelo contrário: defender a pátria, qualquer que seja, sempre e em qualquer caso, é sacrificarmo-nos para defender nossos próprios opressores (é ser bucha de canhão deles, que nunca vão eles mesmos à carnificina dos campos de batalha), e pior ainda, é trair e assassinar nossos irmãos de classe do outro lado das fronteiras estabelecidas pelos mesmos opressores.

Submitted by Joaos on August 14, 2016

Pertencer a uma pátria ou nação parece algo natural, dado. As pátrias ou nações supostamente surgiram como reconhecimento do fato "óbvio" de que o mundo é naturalmente dividido em diferentes povos que compartilham, cada um, uma mesma história, tradição, língua, cultura ou religião desde tempos imemoriais.

No entanto, isto é puro mito. A história nos mostra amplamente e sem sombra de dúvidas que todas as características nacionais ( história, tradição, língua, cultura ou religião) estão longe de serem algo "natural". Elas nada mais foram do que o resultado da concorrência (militar e comercial) encarniçada e sangrenta entre as diversas classes dominantes por demarcar territórios e instaurar seus Estados, submetendo a população por toda parte para usá-la como bucha de canhão nas guerras empresariais e bélicas que as próprias classes dominantes travam entre si. A língua, a cultura, a tradição e a história que parecem hoje "dados da natureza" que demarcam os povos em diferentes nações, na realidade foram impostos pela força bruta. São puras artificialidades.

Acumulação do capital é acumulação da força bruta: assim surgiram as nações

Antes dos Estados-nações, os Estados se limitavam ao tamanho de cidades, isto é, eram cidades-Estados, sempre vizinhas de outras com uma miríade de línguas e culturas. Os impérios (como o império romano, chinês e egípcio) em geral nada mais eram do que um reino de uma cidade-Estado que cobrava tributos dos reinos de outras cidades-Estados por eles submetidas pela força bruta. As vezes, uma cidade-Estado imperial conseguia impor uma única língua e cultura sobre outras cidades-Estados. Por exemplo, o latim dos romanos foi imposto a quase todas as cidades do sul da Europa (latim que, de tanto ser falado "errado" após a queda do império, deu origem ao português, francês, italiano...). Porém, não havia ainda nações propriamente falando.

A necessidade de instituir Estados tão poderosos que eram como que entidades abstratas capazes de impor um poder armado sobre territórios que abrangiam não só mais de uma cidade, como também tendiam a se expandir indefinidamente para regiões cada vez mais amplas do mundo decorreu do surgimento de um novo tipo de classe dominante que não identifica mais seu poder com uma cidade ou reino específico. Essa nova classe se identifica pela necessidade de expansão sem restrição da acumulação do capital pelo planeta inteiro - o que implicava a necessidade de uma correspondente ampliação e monopolização do poder armado (Estado) como nunca antes visto, sobre territórios cada vez maiores e independentemente de cidades específicas. O Estado-nação foi criado pelas necessidades de acumulação da classe capitalista.

O primeiro e mais primitivo ensaio de Estado-nação, os reinos-impérios multicontinentais de Espanha e Portugal (século XVI), foi impulsionado e financiado pela necessidade dos capitalistas comerciais das cidades-Estados italianas (Gênova, por exemplo) por proteção e poder armado para impor negociações em mercados cada vez mais lucrativos e mais amplos (abrangendo potencialmente o mundo inteiro), com o fito de vencer a concorrência com seus pares de classe, de modo a garantir para si lucros cada vez maiores.

Mas como o motor da acumulação do capital é a competição, logo a seguir (século XVII) surgiu outra nação concorrente, as Províncias Unidas (Holanda), que reunindo um monopólio de poder armado marítimo nunca antes visto na história, conseguiu vencer a guerra contra a Espanha e conquistar o controle de rotas comerciais muito mais lucrativas (Ásia) do que seu concorrente.

Desde o primitivo sucesso lucrativo de ensaio de Estado-nação, o capital financiou o surgimento de nações, isto é, acumulações abstratas de poder armado, inicialmente por toda a Europa, e depois no mundo inteiro, sempre na expectativa, a cada momento, de fazer surgir melhores possibilidades de maximilizar a acumulação do seu capital de modo a vencer a concorrência com outros capitais já estabelecidos. Assim, enchendo o mundo de fronteiras, foi estabelecido o mercado mundial.

A guerra generalizada passou a ser rotina periódica, plasmando a cada convulsão bélica as fronteiras entre nações até chegar às fronteiras que existem atualmente no mundo inteiro e até chegar a uma mesma e homogênea língua ou cultura imposta sobre a população dos respectivos territórios nacionais.

"Se a corja vil cheia de galas nos quer à força canibais, logo verão que as nossas balas são para os nossos generais" (trecho de A Internacional)

Em suma, não há absolutamente nenhum argumento honesto que justifique que defendamos qualquer nação ou pátria. Muito pelo contrário: defender a pátria, qualquer que seja, sempre e em qualquer caso, é sacrificarmo-nos para defender nossos próprios opressores (é ser bucha de canhão deles, que nunca vão eles mesmos à carnificina dos campos de batalha), e pior ainda, é trair e assassinar nossos irmãos de classe do outro lado das fronteiras estabelecidas pelos mesmos opressores.

A solidariedade é nossa única arma. Sem ela somos sempre perdedores diante da classe dominante, que nos divide dentro de empresas e nações em concorrência, fazendo-nos sujeitar a seus ditames. Todo proletário em luta contra seus opressores, em qualquer lugar, é um aliado. O proletariado não tem pátria. Isso se chama "internacionalismo proletário".

Só é possível parar de sermos perdedores quando, em todos os lugares, nos solidarizamos e estabelecemos relações sociais que ultrapassam e minam toda divisão em empresas e todas as fronteiras nacionais. Ou seja, nem mais nem menos do que estabelecer a associação livre dos indivíduos em escala mundial, isto é, o comunismo, a sociedade sem classes, sem hierarquia, sem Estado. Trata-se de instaurar a comunidade mundial que, suprimindo a propriedade privada e as fronteiras, liberta os meios de produção e de vida e disponibiliza-os gratuitamente para a população em livre associação usá-los na expressão e desenvolvimento universal de seus sentidos, desejos e aptidões: artísticas, culinárias, arquitetônicas, urbanistas, amorosas, racionais, nômades, técnicas, numa conflituosidade lúdica generalizada que supera e torna impossível a velha e suicida concorrência bélica e capitalista.

O nacionalismo continua a enganar os despossuídos porque qualquer outra perspectiva que não a defesa de sua própria exploração (a união com seus próprios patrões contra outros despossuídos) ainda lhes parece irrealista (utópica) e vazia. Concorrendo entre si para serem explorados por seus patrões (na esperança de um dia eles mesmos ascenderem como patrões), eles identificam outros explorados concorrentes como se fossem a causa de sua própria exploração e desemprego, e se tornam presa fácil de ideologias de ódios étnico e xenofobia que faz deles um rebanho facilmente manipulável pelos proprietários (que, bastando quererem, lançá-los-ão ao matadouro da guerra na primeira oportunidade). Enquanto não romperem com isso, enquanto não identificarem o verdadeiro inimigo (a classe dominante de seu próprio país tanto como a de todos os países), e enquanto não se solidarizarem e se associarem contra e além das empresas e fronteiras para lutar, sua exploração e condições de vida não apenas vão sempre inevitavelmente se agravar a cada dia, como também permanecerão um rebanho "prontinho" para os patrões jogarem no açougue da guerra a qualquer instante.

Humanaesfera, 15/11/2012

[Texto originalmente publicado em http://humanaesfera.blogspot.com.br/2012/11/contra-o-patriotismo-contra-o.html]

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